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A Margarida

Ela era uma professora de literatura aposentada. Tinha a tríade perigosa das doenças crônicas - Diabetes, hipertensão e cardiopatia. Todas já com suas complicações instaladas. Inclusive uma amputação de perna esquerda. Apesar de tudo era uma pessoa de um alto astral admirável. Tinha amigas de jogo. Jogavam carteado todas as quintas a noite. Junto com isso vinham as comidinhas e bebidinhas, de quem adora um grupo de amigos para jogatina e comes e bebes.
Nosso encontro foi em um momento de hospitalização, quase acidentalmente. Eu fazia trabalho técnico para uma empresa e fui demonstrar um material para uma enfermeira no hospital em que Margarida receberia alta. Queria uma “enfermeira padrão” para atendê-la em casa após três meses de internação. Falei brincando: “se tenho o padrão que ela deseja, posso ajudá-la”. Sem maiores combinações de como seria feito o trabalho, fui até sua casa no dia seguinte.
O quadro era ruim. Uma perna amputada, com desarticulação coxo femoral (para os leigos era toda a perna, inclusive a coxa). Uma ferida bem grande para fechar e a Margarida sem esperança alguma, pois já haviam tentado vários tipos de curativos, sem sucesso. A ideia inicial era capacitar algum familiar para o cuidado, mas ela recusou e me pediu para ir todos os dias para acompanhar melhor seu caso.
Muito bem!!! Os curativos eu fazia em vinte minutos. Mas a visita domiciliar era de noventa minutos. Simplesmente todos os dias havia o que chamei de “assédios” – cafezinho, bolo, pudim, panqueca e por aí vai uma infinidade de gostosuras e gordices que adoro. Um dia lhe falei que meu marido estava enciumado com tantos “assédios”. E Ela passou a mandar comidinhas para ele também. Assim justificava minhas demoras para chegar em casa.
Eram visitas adoráveis!!! Amo ler. E ter uma consultora de literatura particular era tudo de melhor. Virei fã.
Ah, a lesão melhorou e fechou. Em seis meses meu trabalho havia obtido êxito e ela estava de alta. Mas queria ainda meu olhar. Quando tudo já estava melhor, marcamos um ritual de despedida. Convidamos amigos, parentes e meu marido para um coquetel em comemoração a Vida.
Como esquecer pessoas que nos fizeram ter um olhar diferente para o mundo?
Mantivemos contato ainda durante muitos anos, até que ela infartou em um dos dias que fui lhe visitar e partiu para outra dimensão. O enterro foi no dia do meu aniversário.

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