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O Girassol

Em tempos de pandemia por Covid 19, estou em casa em um sábado a tarde e recebo uma ligação de fora da minha cidade. Primeiro pensamento: é engano ou estão querendo me vender algo. Segundo pensamento: Não vou atender. Entra então uma mensagem do mesmo número: Sou filha de um paciente, estou precisando de ajuda, posso te ligar?
O Girassol era um senhor (?), de 66 anos, que havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). Tinha uma história de três internações prolongadas e estava com uma lesão por pressão na região sacra. Todos os cinco filhos moravam em outro estado e ele vivia na mesma cidade que eu, distante dos filhos mais de 1500 km. Morava com a atual companheira, que os filhos mal conheciam. Havia muitos atritos na relação entre este pai e seus filhos. Fiz alguns contatos e consegui ver como estava a situação desta pessoa. Uma internação prolongada, história de tratamento por Covid 19, Lesão por pressão sacra e todas as comorbidades e sequelas que este quadro poderia acarretar. Entrei em contato com um gestor do Hospital e este autorizou que eu fosse auxiliar a equipe na condução do tratamento da ferida.
Como um paciente com ferida não é só a ferida, o envolvimento foi além do tratamento da pele. Adequações de superfícies de apoio, posicionamento, dieta, coberturas especiais, enfim, tudo que envolve uma internação prolongada. Inclusive o envolvimento com a família. “Compra um colchão de ar que será melhor”. “Providencia uma cobertura secundária que vai machucar menos a pele no entorno da ferida”. “Hidrata os pés para retirar a pele ressecada e evitar mais lesões”. “A diabetes está controlada”. “O funcionamento do rim está comprometido”. E por aí vai uma infinidade de sugestões e informações para a família.
Preparando a alta para casa. Muitas sequelas motoras e sem comunicação verbal.
Como levar uma pessoa totalmente dependente para casa? E se fosse você? Já pensou em como fazer? Sempre me fiz essa pergunta: O que é preciso para levar uma pessoa totalmente dependente para casa?
Providencia espaço físico. Providencia uma cama hospitalar. Providencia um suporte de soro; ou um prego ou parafuso na parede para colocar a dieta enteral. Providencia a dieta!!! Providencia fralda. E o banho? Aspiração? Medidor de glicemia? Agulha para furar o dedo. Quem vai furar o dedo?
Tudo acertado.
Esposa orientada sobre os cuidados. Profissionais da estratégia de saúde da família (ESF) cientes da transferência para casa (mais uma vez).
Os filhos, nesta barafunda toda, vieram ver como estava o pai. Histórias de abandonos de ambos os lados, muito sofrimento para todos. Porém, um momento lindo de resgate e de aproximação.
Permaneci assistindo a este paciente em casa. Gente ele começou a falar. A conversar com a esposa e com os filhos, inclusive por vídeo chamada. Emocionante.
Eu fazia visitas semanais e em conjunto com a família e com a enfermeira da ESF íamos melhorando a condição do paciente e da família.
Um dia recebi uma ligação da esposa dizendo que o Girassol queria muito conversar comigo. Imaginei: ele mal sabe quem eu sou. Vou lá e está dormindo. Faço todos os cuidados e mal abre os olhos para me ver. Mas, ele disse com todas as letras – “quero conversar com a Silvana”. Em minha visita semanal ele estava acordado, olhos azuis como céu. Um sorriso largo. Me olha e diz: “Muito obrigado. Por tudo”.
Como não se envolver? Este é o melhor reconhecimento profissional que se pode ter, o agradecimento de quem foi assistido e cuidado.
Infelizmente o Sr. Girassol faleceu alguns meses após a ida para casa. Porém, teve tempo para resgatar várias relações afetivas que haviam sido tumultuadas por um período de sua vida.
Agradeço imensamente por participar destas vidas!!!

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